Diário de um Professor Militante!
Capítulo 1 – Como era e como está a sala de aula! Lecionei na rede estadual de ensino de São Paulo durante os anos de 2007 e 2015, quando cheguei na rede estava aquele turbilhão de dificuldades sobre a estabilidade para os professores que não eram efetivos, os chamados ACTs ou OFAs, passei pela divisão […]
Capítulo 1 – Como era e como está a sala de aula!
Lecionei na rede estadual de ensino de São Paulo durante os anos de 2007 e 2015, quando cheguei na rede estava aquele turbilhão de dificuldades sobre a estabilidade para os professores que não eram efetivos, os chamados ACTs ou OFAs, passei pela divisão das categorias de professores que ocorreu em 2007, fiz e passei no concurso para provimento de cargo de professor no ano de 2013, o concurso que convocou 59 mil professores. Durante todos esses anos participei de todas greves e paralizações convocadas pelo Sindicato de Professores – APEOESP e exonerei (que é a pedido) o meu cargo da rede estadual de ensino no ano de 2015.
Enquanto professor cheguei na rede de ensino com apenas 19 anos, estava com um medo assombroso, nunca esquecerei minha primeira aula que foi em uma escola estadual no centro da cidade, escola considerada modelo naquela cidade, passava por um longo corredor com 10 salas de aulas até chegar na minha sala de aula, no começo, eu também tinha ministrado aulas eventuais, em uma aula eventual de geografia, entrei na sala, muito nervoso, era uma 6ª série (naquela época ainda era série não ano), deixei a porta aberta, tinha como ver a outra sala em frente à minha, aquela outra estava fechada, mas, após 5 minutos lecionando (isso era no meu primeiro dia de aula) vi que alguém havia aberto a porta da outra sala de forma brusca e repentina, era uma professora, a professora daquela sala caminhou para o corredor, e de repente, vi espantado que ela puxou os próprios cabelos e gritou bem alto: “Eu não aguento! Eu não estou aguentando”, e essa situação se repetiu várias vezes durante toda a aula. Quando acabou aquela minha primeira aula, procurei uma inspetora de alunos e pedi um cigarro, o primeiro cigarro que fumei em toda a minha vida, pois, logo no meu primeiro dia (e na primeira aula) contemplei uma professora que já estava ministrando aulas há muito tempo (assim percebi) e ela havia gritado que não aguentava mais (ministrar aulas), foi um choque para mim.
Depois conheci a professora, ela me informou que já era aposentada de um cargo e que já estava trabalhando aquele último ano para depois já aposentar do segundo cargo, o salário de professor que já era tão baixo, obrigava os professores a terem mais de um cargo para poderem se sustentar. Depois de alguns anos encontrei essa mesma professora no Shopping, com um grupo da “melhor idade” indo ao cinema, o grupo inteiro estava com muita alegria, inclusive a professora, isso após muitos anos de terapia (ela me informou).
Uma vez, no ano de 2015, cheguei em uma escola que tinha um alto índice de periculosidade, localizada na periferia daquela cidade, o primeiro impacto foi o susto pelo abandono, o prédio era gigantesco, tinha muitos vidros quebrados, o matagal tomava todo o entorno da escola, as salas de aulas tinham goteiras quando chovia, era um total descaso do poder público, muito contrário da escola anterior que eu lecionava, sendo que, ambas eram na mesma cidade. Nessa época eu já tinha um pouco mais de experiência profissional e consegui trabalhar com os estudantes de forma tranquila. A escola também tinha suas peculiaridades, tinha uma professora que todos os dias fazia com os alunos o “momento da oração”, mesmo entendendo a escola como laica, inicialmente não me intrometi sobre a prática diária daquela professora, até porque ninguém questionava, só que um dia, passando pelo corredor da sala da gestão escolar, me deparo com um estudante chorando, perguntei o porquê daquele choro, ele me contou que foi porque ele tinha sido expulso daquela escola apenas porque em seu caderno tinha desenhos de orixás, nesse dia percebi que eu não podia mais ficar em silêncio, tentei abrir um diálogo entre a gestão escolar e a professora “pregadora”, mas, elas não cederam, expliquei inclusive sobre o Estado ser laico, tive que fazer boletim de ocorrência sobre a prática de uma religião na escola (b.o. contra a professora e gestão escolar, pois, a professora tinha a permissão da gestão escolar) e denunciei em diversas instâncias, ambas foram exoneradas e o estudante permaneceu estudando na mesma escola, ao final daquele ano resolvi mudar de profissão, não porque eu não gostava de ser professor, mas, porque eu queria conhecer profissões novas, ter novas experiências.
Caros leitores, esses foram apenas dois relatos do meu primeiro ciclo enquanto professor, existem muito mais, durante os próximos capítulos do meu diário relatarei outras experiências desse primeiro ciclo e mais para a frente relatarei também desse meu segundo ciclo de professor.
Após vários anos fora da rede estadual de ensino, resolvi participar de um novo concurso de professor, concurso de 2023 elaborado pela empresa VUNESP, voltei a ministrar aulas no começo do ano de 2024. Pondero aqui que essa trajetória do concurso de 2023 até eu entrar em sala de aula, foi marcado por um misto de sensações, inclusive pela alegria de ser aprovado nesse novo concurso, sentimento de tristeza por ver a injustiça que levou milhares de candidatos serem reprovados injustamente, principalmente pelo fato da banca examinadora achar que o arquivo da videoaula estava corrompido, não abria ou tinham fugido do tema, sendo que, grande parte conseguiu sim apresentar uma boa videoaula, mas, foram injustiçados. Nesse ano de 2024, nenhum candidato aprovado no concurso foi convocado para posse ainda, com isso, todos tiveram que momentaneamente atribuir aulas como contratados, porém, essa atribuição de aulas foi confusa e ainda têm centenas de professores desempregados. Assim foi marcado meu retorno em 2023 até o meu primeiro dia de volta para a sala de aula em 2024.
Assumi (atribui) aulas na periferia, agora em outra cidade, nesse segundo ciclo de professor, na minha primeira aula vi que muitas coisas mudaram desde aquele meu primeiro ciclo de professor, os diários não são mais de papel, são online, o professor agora precisa estar adaptado às tecnologias. Nas salas de aulas existem câmeras de vídeo de última geração, tem televisão em cada sala de aula, tem também computador para uso do docente, infelizmente a sala de aula está com péssima iluminação, porta quebrada, ventiladores quebrados, sala super quente, e ainda, mesas e cadeiras deterioradas. Os estudantes com os seus celulares na mão e cada um cuidando de sua vida, naquelas telinhas.
O novo retrato de escola pública que vi, é muito assustador! O Governo investiu em aplicativos, tecnologias e na vigilância aos docentes, mas, abandonou a educação. A interação humana já não é mais a mesma, estamos formando robôs que lecionam e formando uma geração que não faz mais a integração humana. O sentido da escola que vai para além do conhecimento, foi aniquilado por essa tecnologia, vi olhares sem entusiasmo dos docentes e dos estudantes, este modelo educacional acabou com a humanidade escolar. Estamos formando gerações frias, sem alegria, sem a mútua troca de conhecimento e de sabedoria.
Enquanto empresários lucram com essa forte tecnologia, estão na verdade é acabando com essas gerações da interação humana. A única coisa que eu conseguia pensar nessa última semana, era falar aos estudantes e professores: “não desistam, pois, esse modelo está sugando a sua humanidade e precisamos combatê-lo com força”.
Esse será um diário semanal, onde pretendo trocar experiências com vocês caros leitores sobre a vida cotidiana de um professor na rede pública.