Falta vontade política para tratarmos da Educação no Brasil

Por Samira Kassouf Capobianco – formada em Letras pela Universidade São
Francisco e Tradução pela Universidade Gama Filho. Ex-professora de escolas de
idiomas e da rede estadual de ensino de São Paulo. Atualmente, leciona na rede
municipal de ensino de Jundiaí e no Cursinho Popular e Pré-Vestibular Maria Carolina
de Jesus da rede Emancipa

Salas lotadas, com cerca de quarenta alunos. Defasagem de recursos materiais e humanos. Atrasos na entrega de kits escolares, incluindo materiais de trabalho básicos do professor e do aluno. Profissionais afastados da sala de aula por doenças psíquicas. Demandas crescentes por documentos e resultados incondizentes com o discurso progressista da educação atual. Agressões físicas e verbais entre alunos. Drogas dentro e ao redor da escola. Desacato à autoridade do professor e descaracterização da categoria profissional por meio da incursão de modismos terminológicos como “facilitador” e “mediador” da aprendizagem. Gestão vertical das Unidades Escolares, Secretarias e Ministério, composta, em sua maioria, por funcionários comissionados, atrelados ao governo local. Este é mais um retrato lamentável da realidade educacional do país, repleto de desafios e que permanece sem solução.

Consideremos, primeiro, a superlotação das salas de aula, principalmente na rede pública de ensino, como fator do fracasso escolar. O professor, diferentemente de qualquer profissional, é o único que atende de modo simultâneo, mais de um indivíduo por vez, com necessidades e em estágios de desenvolvimento, os mais heterogêneos possíveis. Dar conta das deficiências de aprendizagem de uns, enquanto mantém motivados os estudantes de maior potencial, é quase impossível. É na escola que as desigualdades e a (des)estrutura familiar se convergem. Pais com participação ativa na vida dos filhos, que acompanham a rotina deles vivenciada na escola e em casa, têm maior chance de vê-los, um dia, alcançar posições de maior prestígio. Contudo, ciente das mazelas em que vive a população de baixa renda brasileira, Secretarias e Ministério educacionais justificam o direito e oacesso à Educação, por meio de salas lotadas e carentes de recursos, sem, de fato, se preocuparem com a permanência desses alunos e quando são apresentadas propostas de melhoria, alegam baixo orçamento. Questão meramente de prioridade, dados os escândalos de corrupção federal – MEC – e estadual, nas gestões de Bolsonaro e Alckmin. Sabemos muito bem que é menos oneroso lotar os espaços já existentes em vez de ampliá-los, criando mais salas, expandindo serviços e contratando mais profissionais especializados. Desta forma, temos professores de educação básica I e II sobrecarregados, desempenhando, além das próprias funções, as que caberiam a psicólogos, cuidadores, inspetores, árbitros (de kickboxing!), enfermeiros e, claro, sem a formação técnica necessária na área. Depois, quando são convocados a prestar contas pela integridade física, emocional ou psicológica do aluno que apanhou ou sofre bullying, e até mesmo pelo (não) consequente aprendizado deste, a culpa recai toda e exclusivamente sobre si.

Outro fator relacionado ao fracasso institucional e pedagógico da escola tem a ver com a avaliação. Provas nunca devem ser vistas como instrumento de punição ou de controle, ainda que existam para selecionar os não marginalizados e excluídos da sociedade privilegiada e universitária. Porém, a partir do momento em que instâncias superiores à docência – como Diretorias de Ensino e gestão imediata – ordenam ao professor que altere a nota de um aluno no diário de classe, por sejam quais for os reais motivos, a escola e todo o trabalho nela realizado perdem a seriedade. Não é à toa que ouvimos que “enquanto os alunos fingem que aprendem, os professores fingem que ensinam”. Dizem, as instâncias superiores à docência e documentos oficiais, que isto é para evitar a evasão, ou seja, que o aluno “fuja” da escola, porém sabemos, também, o custo que o poder público e nós, também, contribuintes, teremos retendo, por mais um ano, o aluno repetente na escola. Será um ano a mais providenciando material e uniforme gratuitamente a uma criança ou a um jovem que já deveria ter seguido de ano. Por outro lado, quando surgem programas de acompanhamento desses alunos de baixo rendimento (medida paliativa, vale dizer) ou funcionam no mesmo horário das demais disciplinas, em espaços que não oferecem o devido silêncio e concentração, ou são brevemente extintos. Logo, o aproveitamento escolar, para a elite que comanda a educação do país, para além dos muros e paredes da escola, é o que menos interessa. Para ela, são contabilizados, apenas, dados que se podem mascarar e vender para a mídia e Banco Mundial; uma estupidez, visto que, por melhores que se apresentem esses dados, a recompensa nunca vem em forma de melhores salários e melhores condições de trabalho, mas sim, em uma estratégia cruel disfarçada denominada bônus, que acirra ainda mais as disputas entre a já tão desunida classe dos professores.

Por fim, precisamos, recordar que a conquista da democracia é, ainda, bastante recente e a prática da fala e da escuta não podem se perpetuar na verticalidade ou na unilateralidade, tão pouco se ater unicamente ao campo do discurso. A educação carece de pragmatismo; as ocorrências com alunos, o descaso e a negligência da família precisam ser tratados por uma equipe multidisciplinar preparada para este fim e descentralizada da sede administrativa local – prefeituras, etc. -, estando presente o tempo todo nas escolas. Por que não focamos as formações continuadas em embasamentos científicos acerca do funcionamento do cérebro humano? Por que não falamos em aprender a aprender, transferindo um pouco da responsabilidade ao aluno, em vez da desgastada e monótona discussão sobre aprender a ensinar e metodologias de ensino? É fato que, inclusive entre professores, o nível de letramento é baixo e poucos são os que dominam, com segurança, o conteúdo que lecionam. Assim, de geração para geração, o ensino escolar, que lida com a escrita, primordialmente, e não com a fala – saber espontâneo e intuitivo – deveria ser sistematizado e explícito, mas fragmenta-se cada vez mais. É o que Kátia Simone Benedetti, autora do livro “A falácia socioconstrutivista: por que os alunos brasileiros deixaram de aprender a ler e a escrever”, pela editora Kirion, esmiúça na obra.

Deixemos, pois, como Kátia sugere, as ciências sociais para falarmos de poder e de luta de classes, na interseção entre trabalho docente e educação; no campo pedagógico, apoiemo-nos, principalmente nos anos iniciais da escolarização e alfabetização, nas neurociências, psicolinguística e psicologia cognitiva e saibamos reclamar em conjunto, por outros profissionais e espaços que se encarreguem das violências silenciadas sofridas diariamente pelos professores e das violações dos direitos daqueles alunos que estão ali para aprender. Afinal, se um elemento de conflito deve permanecer em sala, pois seu professor (que não tem o dever, ainda que tente ou deseje educá-lo) corre o risco de sofrer represálias por pedir àquele que saia, quem, então, garantirá que o ambiente esteja em condições adequadas para a promoção do aprendizado? Com certeza, não serão os documentos oficiais, a gestão imediata, as Secretarias, o Ministério e o governo atual. Aos dois últimos, é conveniente manter o estado das coisas como tal. Já, com relação às demais instâncias, elas até gostariam de ser “a mudança que desejam ver no mundo, porém, também precisam “defender” os próprios interesses. O poder torna aqueles que o detêm, eternos cativos. Palavras como “autonomia”, “sala de aula invertida”, “uso de tecnologias” soam poéticas no papel e nada têm de inovadoras. Muitos professores, com recursos próprios, já vinham implementando estes conceitos, proporcionando aprendizado voltado à vida dos estudantes. No entanto, o público assistido por esses docentes padece sem procedimentos, sem um projeto de vida e avança na ignorância, pobreza e marginalidade. Qual é a escola que queremos? Uma que rompa com a perpetuação das desigualdades, por meio de um trabalho sério, com um número de profissionais adequados e engajados na própria área de atuação ou a escola romantizada do faz de conta, onde o professor é o “herói” que “ama o que faz”, que se submete a tudo e a todos e não faz o que faz porque precisa sobreviver Organizemo-nos!